terça-feira, 16 de março de 2010

Diminuindo as distâncias

Há uma corrente que, não sei se movida por nostalgia ou purismo, defende que a vida na roça não deva receber influências vindas de fora. Não penso dessa forma. Pelo contrário, acho que tudo no mundo está em evolução; mesmo as comunidades mais remotas, onde as pessoas da cidade vão fazer imersão num estilo de vida que um dia já foi seu, ou de sua família, na busca instintiva de uma vida natural.

Numa comunidade rural que recebe turistas, a interação entre as culturas é inevitável.  Quem chega gosta de observar e aprender sobre a cultura local, mas também vem trazendo sua bagagem, seus modos e costumes. Essa interação jamais poderá ser uma imposição, uma agressão ao status da comunidade.

Acho espetacular quando meu amigo Jorge Onça, criado e vivido aqui no bairro do Gomeral, vem à minha casa tocar sua sanfona, quase artesanal, muito parecida com um bandoneon. Toca com maestria, num ritmo contagiante. E mostra manchas de sangue no fole, lembrança de uma briga num forró, há muitas águas passadas. Mas, assim como eu, garanto que ele também gosta quando lhe mostro nosso piano Pleyel, importado da França no século XIX. Quando lhe mostro suas cordas originais de prata, ou quando um amigo músico, da cidade, faz soar Egberto Gismont aqui no sertão. 


Aliás, ao citar esse amigo, me vem outro exemplo interessante de interação entre culturas. Cá na roça onde vivo, no bairro do Gomeral, vários amigos tocam moda caipira na viola, eu acho ótimo, sempre que posso quero ouvi-los. Outro dia, esse meu amigo músico, o Luiz Celso, tocou na viola caipira, com a mais apurada das técnicas, uma composição sua com o também genial Ivan Vilela. São essas interações que considero que diminuam a distância entre a cidade e a roça. Uma noite dessas aqui no Tao, recebemos o casal Levy e Tereza. Tocavam de tudo, do pop rock ao samba, do bolero à MPB e eram acompanhados por dois moradores do bairro ligados à música caipira, um no bongo e outro no pandeiro. Tiveram a oportunidade de tocar com um músico do nível do Levy. Um momento especial, sem dúvida.

Seguimos buscando diminuir as distâncias culturais, seja através da música, da gastronomia ou das tecnologias de comunicação, por exemplo.

Claro que essas interações sociais podem produzir impactos, positivos ou negativos. Temo que o Gomeral, um paraíso ambiental, venha a se tornar uma nova meca de ordas de bichos-grilos, com suas legiões de gnomos, duendes e outras "entidades". Não vejo como positivo, como já pude observar em outras comunidades rurais, que pessoas que, voluntariamente ou por falta de estrutura, abdicaram de sua cultura, de seu espaço na sociedade onde viviam, venham bater com os costados no Gomeral, como se a comunidade fosse a terra do laissez-faire, onde tudo é permitido. 

A comunidade tem suas tradições, seus princípios. A interação entre culturas não implica, necessariamente, em ferir tais princípios. Pode ser uma forma de evolução, e é o que nós do Tao desejamos para o Gomeral. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário