segunda-feira, 15 de março de 2010

Entrevista sobre o Gomeral

Um grupo de estudantes de turismo veio ao Tao, nesse último sábado, para colher informações para seu trabalho de conclusão de curso. Foram essas minhas respostas às suas questões:

1-      Qual seu nome inteiro e sua formação?
Meu nome é Pedro Luiz Dixon de Carvalho e sou formado em Ciências Jurídicas e Sociais, com pós-graduação em Perícia Ambiental. Fui diretor do IECO – Instituto de Estudos, Educação e Tecnologias Ambientais, representante da Fundação SOS Mata Atlântica e professor do Centro de Estudos Ambientais do Vale do Paraíba, nas cadeiras de Unidades de Conservação Ambiental e Sistemas de Gestão Ambiental. Atualmente, em razão de um projeto pessoal, sou chefe de cozinha e possuo um restaurante no bairro do Gomeral, em Guaratinguetá.

2-      Como o senhor conheceu o Gomeral e como decidiu abrir o restaurante?
Conheci o Gomeral há mais de 20 anos, explorando a serra de motocicleta. Depois disso alguns anos se passaram e, quando retornei, em 1997, decidi trazer para o bairro um projeto de inclusão digital e educação ambiental, com vistas ao desenvolvimento do ecoturismo, como alternativa para a sustentabilidade dessa comunidade rural.
Quanto ao restaurante foi uma longa trajetória. Aos vinte anos, enquanto fazia faculdade de biologia e me preparava para o vestibular de agronomia, sonhei que aos 50 anos eu teria um restaurante, num local ambientalmente fantástico, com 12 mesas e um cardápio especial.
Na ocasião aquilo para mim não fazia o menor sentido, e deletei a história... Ao adquirir um terreno no Gomeral ainda não me recordava do sonho, quando tive um insight e tudo voltou de forma muito clara. Resolvi, então, em companhia de minha esposa, transformar o sonho em projeto, e executá-lo. A partir desse momento, o sonho ganhava vida para nós.
Relato essa história pessoal para dizer o quanto um sonho pode ser importante na vida de alguém. Quem pratica turismo de natureza está em busca do sonho de um mundo melhor. Será isso utopia? Que seja.  Como disse o escritor uruguaio Eduardo Galeano: “A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

3-      Quais são as características das pessoas que buscam o Gomeral?
O Gomeral é uma região que viveu praticamente isolada por muito tempo. Não havia estrada em condições de tráfego, nem energia elétrica. Telefonia fixa até hoje não tem. Se de um lado isso era ruim para os moradores, de outro foi um fator de preservação de sua cultura rural. Esse ambiente cultural autêntico, somado às belezas naturais da região, tem atraído a atenção de ecoturistas e acadêmicos.
Outro segmento que transita pelo Gomeral são os romeiros de Aparecida, em grupos de bikers, jipeiros, motoqueiros, cavaleiros ou mesmo caminhando, cumprindo uma etapa do Caminho da Fé. Esse caminho tem início em Águas da Prata e, oficialmente, passa por Campos do Jordão e, em seguida por Pindamonhangaba, para atingir o Santuário de Aparecida. Mas, devido às belezas naturais e inúmeras nascentes de água potável, os peregrinos tem escolhido o caminho da serra do Gomeral, em detrimento da aridez do asfalto do outro caminho. Com freqüência utilizam os serviços de hospedagem e alimentação do Gomeral.
   
4-      Como o bairro lida com os turistas?
A partir do despertar da comunidade para ecoturismo, como alternativa de sustentação econômica, vários cursos foram realizados, em parceria com diversas instituições. Por exemplo, curso integrado de computação e educação ambiental, pelo IECO – Instituto de Estudos, Educação e Tecnologias Ambientais, para valorização social e motivação para o ecoturismo, com duração de quatro meses; curso de Monitor Ambiental, para formação de guias locais, pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, através da Fundação Florestal, com duração de dois anos; curso de Turismo Rural, pelo SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, com duração de um ano, dentre outros, como cursos de conservas e compotas, panificação e agricultura orgânica.
Enfim, atualmente o bairro reconhece o turismo como um negócio, com potencial para geração de emprego e renda. Não há qualquer rejeição aos turistas, que são recepcionados com carinho.

5-      O governo tem um projeto de transformar o Gomeral em um Parque Nacional, o que o senhor acha da idéia?
O Gomeral é uma pequena área, se comparada à extensão proposta para o Parque Nacional Altos da Mantiqueira, como passará a ser denominada parte da região serrana, entre Pindamonhangaba e Resende. A área será de mais de 100 mil hectares e criará um corredor ecológico entre o Parque Estadual de Campos do Jordão e o Parque Nacional do Itatiaia.
Enquanto ambientalista reconheço a necessidade da preservação desse ecossistema, devido à sua produção hídrica e fragilidade da flora e fauna endêmicas.
Entretanto, considero que a proposta apresentada à população e às prefeituras contém muitas falhas técnicas, carecendo de informações detalhadas e, principalmente, de oportunidade àqueles diretamente afetados em seu direito à propriedade, do exercício da gestão participativa no planejamento de seu futuro comum. Em contrapartida à resistência social encontrada, a entidade propositora do projeto de criação do parque, tem realizado reuniões para tratar, caso a caso, das questões levantadas.
 Relativamente ao turismo, com as políticas administrativas adotadas pelo ICM-Bios Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, de melhoria na prestação do serviço receptivo aos visitantes das unidades de conservação, com cobrança de ingresso proporcional ao atendimento prestado, a tendência é de incremento do setor, em todo o entorno do novo parque nacional. Essa tendência é minha interpretação pessoal, não refletindo qualquer informação oficial.

6-      Quais as leis ambientais que regem o Gomeral?
Além do Código Florestal, que estabelece as APPs – Áreas de Preservação Permanentes e demais estatutos jurídicos aplicáveis, incidem sobre a região do Gomeral as normas da APA Federal da Mantiqueira, em sobreposição as da APA Federal da Bacia do Rio Paraíba do Sul e da Zona de Amortecimento do Parque Estadual de Campos do Jordão. Com a criação do futuro PARNA Altos da Matniqueira, mais uma lei se sobreporá à região.

7-      O que o Gomeral oferece para o turista?
Os serviços de hospedagem e alimentação ainda estão sendo estruturados na região, desde discretos investimentos realizados por famílias tradicionais, até empreendimentos de médio porte, por novos moradores e empresários . Os meios de hospedagem e alimentação, situados ao longo do caminho, em direção ao alto da serra, são os seguintes:

·        Pousada Monte Verde: doze chalés com frigobar e DVD, piscina indoor aquecida e restaurante;
·        Pousada Além das Nuvens: quatro chalés; 
·        Pousada Dona Ana: quartos simples, com sanitários coletivos;
·        Restaurante Gomeral: restaurante simples, em fase de acabamento;
·        Restaurante Tao do Gomeral: restaurante com choperia, piano-bar e camping;
·        Restaurante Parada da Serra: restaurante simples, com um chalé coletivo
·        Restaurante Trutaria Boa Vista: restaurante e criatório de trutas, com um chalé coletivo
·        Pousada Santa Maria da Serra: oito apartamentos e refeitório

Em última análise, eu diria que os meios de alimentação são suficientes para atender a demanda atual, o que não ocorre com os meios de hospedagem, seja porque alguns são muito rudimentares ou porque outros, mesmo com certa sofisticação, não conseguem absorver grupos maiores de turistas.

8-      Quantas cachoeiras e trilhas temos no Gomeral?
O Gomeral fica na serra da Mantiqueira, e Mantiqueira na língua indígena, pode ser traduzida como Mãe das Águas, ou seja, cachoeiras são o atrativo maior da região. Os picos com vistas exuberantes também são muito disputados. Algumas trilhas tem se consagrado entre os ecoturistas, como a da Pedra do Macaco, da Cachoeira do Onça, da Pedra Grande e do Vale Encantado, dentre outras. Necessário salientar que todos esses atrativos turísticos situam-se em propriedades particulares, sendo exigido o acompanhamento de um guia local habilitado.

9-      Fale um pouco sobre a fauna e flora do Gomeral.
Com os sucessivos ciclos econômicos ocorridos no Vale do Paraíba, quais sejam, do ouro, da cana, do café, do leite e da indústria, os ecossistemas foram duramente impactados. Se há ainda alguma área preservada na região, é devido à topografia acidentada da serra, que dificulta o acesso para prática da agropecuária.
Com isso a fauna remanescente busca refúgio nessas áreas. Mesmo com o histórico extrativismo de madeiras de lei e a caça predatória, a Mantiqueira representa o último refúgio para muitas espécies ameaçadas de extinção.
Por exemplo, no Gomeral há testemunhos recentes da presença de famílias de mono-carvoeiro, o maior primata das Américas, bem como da suçuarana, que representa o topo da cadeia alimentar nesse ecossistema. Outros animais como a lontra, a cotia, o caxinguelê e o veado são encontrados, esse último nos campos de altitude.
Dentre a avifauna encontramos no Gomeral o tucano do bico verde, o xexéu, o jacu e a juruva, todos endêmicos da Mata Atlântica.

Um fato digno de elogio é a iniciativa de alguns moradores de soltar, sistematicamente, os canários da terra, nascidos em cativeiro, que estão repovoando o Gomeral. Mas, por outro lado, por exemplo, o rio que passa ao lado de meu restaurante se chama Macuco, um pássaro de médio porte que há muito tempo não é avistado na região.
Em relação à flora, o bairro deve seu nome à gomeira, uma espécie pioneira, de madeira leve, que foi muito utilizada no passado para construção de casas de pau-a-pique. Com a diminuição da atividade agropecuária no Vale do Paraíba, muitas áreas que há pouco tempo eram roçadas anualmente estão improdutivas, com um processo natural de crescimento da vegetação nativa, o que hoje é visível em algumas áreas da região. Mas essa revegetação espontânea não é suficiente para a efetiva recuperação das florestas.
Ocorre que as plantas pioneiras, geralmente tem sementes em grande número, que se espalham com o vento e brotam facilmente, enquanto que aquelas árvores de grande porte, ditas climácicas, tem sementes grandes, que precisam de animais para transportá-las (vetores). Como os animais são raros, esse serviço tem que ser feito pelo esforço humano, ou seja, com o plantio dessas espécies florestais.
Uma atividade interessante para ser proposta pelos profissionais de turismo aos seus clientes é o plantio de árvores nativas, desde que de boa procedência e com a devida técnica e autorização do proprietário da terra.
 
10-   Pontos positivos e negativos do Gomeral.
Apenas sob a ótica do desenvolvimento do turismo sustentável, destaco:

Pontos positivos:
·         Belezas naturais
·         Clima de montanha
·         Autêntica cultura rural
·         Produção de trutas e shiitake
·         Gastronomia
·         Proximidade com a Fazenda Esperança, onde fica uma capela inaugurada pelo Papa Bento XVI
·         Proximidade dos principais pólos turísticos regionais, a saber, Campos do Jordão, Aparecida, Guaratinguetá e Cachoeira Paulista
·         Proximidade das duas maiores metrópoles do país
·         Além do sistema viário existente, há os projetos estatais de implantação do TAV – Trem de Alta Velocidade e do prolongamento da rodovia Carvalho Pinto, que representarão um notável incremento no fluxo turístico.

Pontos negativos:
·         Degradação das belezas naturais pelas erosões, em virtude do desmatamento
·         Mudanças climáticas globais que vem, gradualmente, afetando a produção de trutas e shiitake
·         Déficit de meios de hospedagem
·         A falta de investimento público efetivo no quanto segue:
o   Pavimentação ecológica da estrada
o   Telefonia fixa
o   Sinalização voltada ao turismo
o   Divulgação turística
o   Coleta seletiva de resíduos sólidos
o   Instalação de contêineres estanques para coleta de lixo domiciliar
o   Instalação de fossas biodigestoras para efluentes sanitários em cada residência
o    Controle sobre o fracionamento de terrenos para fins domiciliares

11- Gostaria de destacar mais algum aspecto relevante para o desenvolvimento do turismo local?
      Sim. A realização das festas que fazem parte do calendário anual, como a Festa de São Lázaro, com suas tradições culinárias e religiosas e o Festival da Truta do Gomeral, criado por empresários locais há seis anos. Outro evento importante para o turismo é o Campeonato Estadual de Downhill, pois o bairro tem uma melhores pistas, na opinião dos atletas. Uma atividade que atrai competidores de todo o Estado de São Paulo mas que, infelizmente, não tem o respaldo da municipalidade.


12- Para finalizar, o que o Gomeral significa pra você?
A manutenção da minha utopia, para que eu não deixe de caminhar.

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